Resumos
A partir de diários de campo, entrevistas e dados secundários, este estudo reconstrói a mobilidade de uma pessoa, Alecsandro, sobrevivente do cárcere, e de uma moto, Honda Pop, por diferentes regiões do Brasil. Motocicletas de baixa cilindrada são instrumentos básicos do trabalho precário e criminalizado que conectam mercados informais, ilegais e legais entre diferentes regiões do Brasil. Neste trabalho argumenta-se que as mobilidades marginais de pessoas e bens ajudam a compreender “coronelatos” e “facções” como lógicas políticas sobre mercados, também produtoras de violência e desigualdade em pequenas e médias cidades por todo o Brasil.
Palavras-chave:
mobilidade; mercados ilegais; facções; coronelato
Based on field diaries, interviews and secondary data, we reconstructed the mobility of a person, Alecsandro, a former prison survivor, and a motorcycle, a Honda Pop, through different regions of Brazil. Low-cylinder motorcycles are basic instruments of precarious and criminalized work that connect informal, illegal and legal markets between different regions of Brazil. We argue that marginal mobilities of people and goods help us to understand “coronelatos” and “factions” as political logics over markets, which also produce violence and inequality in small and medium-sized cities across Brazil.
Keywords:
mobility; illegal markets; factions; coronelato
Introdução1
Comprava-os a 400 cruzeiros em Cajazeiras, na Paraíba, vinha pelo Ceará (Juazeiro, Crato, Coroatá), isso fazem vamos dizer umas 250 léguas e se leva coisa de 36 dias, cada burro já chega a Coroatá mais 400 cruzeiros e pesando menos uns 30 quilos. Um mês de invernado era embarcado em trem para S. Luís e ali em gambarras para Pinheiros, a 100 léguas de Belém do Pará. A essa altura o burro já está valendo 1200 cruzeiros. Até ali em Coroatá dos 300 burros já tinham morrido 14.
O homem burros apenas sabia falar de burros - e na sua cara magra havia grande paz e conformação. “Negócio de levar burros já foi melhor, não é mau. E eu gosto de lidar com burros.” Me ofereceu um cigarro de palha. Aceitei. Quieto, magro, simples, com seu bigode grisalho sua roupa cáqui, ele não sabia que era um desses homens que ainda explicam e fazem a gente entender esse absurdo tranqüilo que é a unidade nacional. S. Luís, fevereiro, 1953
Rubem Braga. 200 Crônicas Escolhidas (1977).
Os veículos por meio dos quais homens pobres se deslocam pelos interiores do Brasil mudaram. Os “paus-de-arara”2 que levaram trabalhadores, famílias e bens em caçambas por diferentes regiões do país, as carroças puxadas por animais além das bicicletas que transportavam bens entre zonas urbanas e rurais foram em boa parte substituídos. Deram lugar a ônibus, vans e picapes além de motos que trafegam por fronteiras móveis entre o legal e o ilegal.
Nos últimos vinte e quatro anos, o Brasil aumentou em três vezes o número de automóveis, oito vezes o de motos3, e em quase três vezes o de ônibus e micro-ônibus, além de três mil trezentos e cinquenta nove vezes mais o de utilitários4. A população brasileira no período cresceu apenas 0,2 vezes5. O PIB dos transportes cresceu cerca de 1,5 vezes6. Em 2022, o Brasil era o país que mais dependia do transporte rodoviário em todo o mundo (AGEX, 2022).
Regimes de poder e mercados que funcionam por meio desses veículos também mudaram. Coronelatos - desdobramentos de coronelismos do passado - e facções criminais cresceram suas participações na circulação de coisas e pessoas ao lado de grandes empresas nacionais e multinacionais de transporte e logística. Seus negócios dependem de deslocamentos feitos por pequenos e médios transportadores que caminham por fronteiras pouco nítidas quanto à aplicação da lei. Eles remuneram a “mula”, o “muambeiro”, motoristas de lotação, ônibus e vans, caminhoneiros, entre outros transportadores, com dinheiro de mercados ilegais que escasseia em outras áreas da economia popular (FELTRAN, 2022; PINHO; RODRIGUES; ZAMBON, 2023; SANDOVAL, 2012). Isso faz com que compradores e revendedores enfrentem riscos associados à repressão desses mercados.
Coronelatos e facções agenciam infraestruturas rodoviárias e digitais para deslocar coisas e pessoas Brasil adentro. A posse de uma motocicleta tornou-se uma pré-condição do trabalho para posições baixas em diferentes cadeias de valor. Uma em cada três cidades no Brasil tinham uma frota de motocicletas maior que a de automóveis (CROQUER, 2024) e elas estavam concentradas nas áreas mais pobres do país e com menor acesso a transporte público como o Norte, o Nordeste, o Norte de Minas Gerais, regiões de fronteira e periferias de regiões metropolitanas (LIMA, 2020). O preço do veículo e da manutenção, além do consumo de combustível são alguns dos fatores que tornam a moto de baixa cilindrada uma necessidade no cotidiano de muitos trabalhadores rurais e urbanos (LIMA, 2020, CALLIL et al 2023; MANZANO; KREIN, 2020; ABRACICLO, 2023). A moto se tornou um símbolo tanto da agência empreendedora dos pobres quanto da sujeição de trabalhadores sem proteção social às engrenagens da economia logística global (ABÍLIO, 2020).
Muitas dessas motocicletas são transportadas como encomendas em carrocerias de caminhões ou bagageiros de ônibus clandestinos. Sem essas “circulações”, a configuração da busca de pessoas por ocupação e valor humano nas periferias urbanas e rurais seria muito diferente.
Essa multidão de pessoas motorizadas se acopla e mantém conflitos com os grandes e os gigantes da economia do transporte e da logística. Apesar de serem mais coesos quanto à mobilização para influir em mercados (RABOSSI, 2023), impondo suas políticas logísticas e digitais (COWEN et al. 2021), os grandes da logística e do transporte estão constantemente tensionados pela multidão de pequenos transportadores como os motociclistas.
Mas os conflitos e complementaridades entre grandes e pequenos ampliaram a interligação entre regiões do Brasil. De um lado, por meio de mercados populares e ilegais de transportes de coisas e pessoas, de outro, mediante economias criminais que produzem tensões que culminam em conflitos armados letais (FELTRAN et al., 2023; 2022; RODRIGUES, 2021; RODRIGUES et al., 2022; RODRIGUES; FELTRAN; ZAMBON, 2023;).
Estudos têm apontado um processo de interiorização dos assassinatos no Brasil (ou o aumento de suas visibilidades a partir de dados de estado), com destaque para o aumento das taxas de homicídios em municípios do Norte e Nordeste, além de regiões centrais que cortam Minas Gerais e o Centro-Oeste até as fronteiras (CARLO; OLIVEIRA; ANDRADE, 2023; SOARES FILHO; MERCHAN-HAMANN; VASCONCELOS, 2020;). No entanto, ainda há poucos estudos no Brasil e América Latina sobre as conexões inter-regionais entre comércios populares e ilegais (RABOSSI 2008; 2015; HERNÁNDEZ, 2012) que abarca pequenos e médios municípios, a expansão de coletivos criminais e o aumento dos conflitos potencialmente letais. Nos propomos a contribuir com essa agenda (Cowen, 2014), aportando conhecimento empírico novo e um quadro analítico sobre regimes de poder associados a esses mercados.
Assinalamos, a seguir, alguns dos métodos móveis que nos guiaram aos achados deste texto. Em seguida, descrevemos a mobilidade de uma pessoa através de diferentes territórios do país e por ocupações com baixa remuneração em economias legais e ilegais, boa parte delas exigindo uma motocicleta. Trata-se de percursos repetidos por pobres urbanos de pequenas e médias cidades do Nordeste para o Centro-Oeste e o Sudeste, motivadas por buscas de trabalho, convívio com famílias e amigos, além de evacuações decorrentes de conflitos no mundo do crime.
Na seção seguinte, descrevemos o movimento de uma motocicleta por sua cadeia de valor. Um de seus repetidos movimentos começa em uma fazenda de café no Sudeste, passa por uma pequena financeira, por um grande banco além de uma concessionária. Em seguida, as motos embarcam em carrocerias de caminhões ou bagageiros de ônibus, rumo a municípios no Norte, Nordeste e Centro-Oeste onde pessoas as compram como mercadorias para usos cotidianos no trabalho formal, informal e criminal, além do lazer.
Por fim, problematizamos como coronelatos e facções são regimes de poder que disputam esses mercados e serviços de infraestrutura e transporte por diferentes “interiores” do Brasil. Essas disputas ajudam a expandir comércios populares assim como disputas e dependências mútuas entre polícias-jagunças e coletivos criminais, produzindo instabilidades, multipolarização do poder e conflitos letais.
Notas metodológicas
Inspirados em etnografias móveis (JAIN, 2009; NOVOA, 2015) realizamos, nos últimos quatro anos, jornadas de ônibus e vans entre cidades do Nordeste (Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia), do Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) e do Sudeste (Minas Gerais e São Paulo) (PINHO; RODRIGUES; ZAMBON, 2023). Essas jornadas seguiram deslocamentos de pessoas e bens mediante o diálogo com diferentes interlocutores. Compartilhamos as jornadas junto de pessoas que nos colocaram em posição de pensar tanto as utilidades do movimento quanto os deslocamentos de sentido de suas vidas. As motivações que levam indivíduos a se moverem não são estáticas, elas se transformam nos cursos de vida entrelaçados aos percursos pelo território, muitas vezes tomando a forma de sofrimentos psíquicos ou de impulsos esperançosos de renovação. As transformações das ideias e emoções (SALAZAR; ELLIOT; NORUM, 2017) assim, ajudam a movimentar as redes interpessoais e sociotécnicas, junto de seus sentidos. Os caminhos para atingir uma meta ou para ancorar os afetos em meio ao fluxo da vida mutante também produzem mercados e políticas, inclusive as violentas.
Seguimos pistas de pesquisas anteriores sobre jovens encarcerados no sistema socioeducativo de Alagoas e a expansão de facções criminais por diferentes regiões do Brasil. Após o término do cumprimento de suas medidas, adolescentes, jovens ou seus parentes agenciavam familiares que moravam em cidades das regiões Sudeste e Centro-Oeste, para evacuá-los de Alagoas (RODRIGUES; AMORIM, 2022). Eles eram jurados de morte por grupos de extermínio (policiais) ou rivais no crime (facções), produzindo movimentos significativos de deslocados dentro da cidade e entre estados do Brasil. Muitos dos familiares acionados trabalhavam na mineração, agronegócio e construção civil7, além do crime, formando redes de comunicação transregionais para trocarem oportunidades de emprego ou conviverem com familiares e amigos. Essas infraestruturas humanas (SIMONE, 2004) impulsionaram o deslocamento de pessoas e coisas por ônibus clandestinos e vans, inclusive o deslocamento de adolescentes e jovens evacuados devido a conflitos criminais.
Essas relações nos deram interlocuções e entrevistas com vendedores de passagens e donos de empresas de “turismo e fretamento”, também com passageiros e, assim, acompanhamos pessoas em diferentes jornadas pelo Brasil adentro. Nos movimentamos por plantas de mineração, fazendas de soja, além de periferias urbanas de médios e pequenos municípios do Nordeste, Centro-Oeste e do Sudeste, onde essas pessoas moravam e trabalhavam. Assim, descobrimos as mobilidades das motos por diferentes regiões do Brasil, e por isso investimos na ampliação da rede de interlocução com donos de oficinas, além de pessoas que comercializam motocicletas em diferentes partes do país.
O trabalho colaborativo de uma equipe em movimento nos deu diários de campo feitos em diferentes regiões do Brasil e discutidos em equipe. Criamos um grupo de WhatsApp no qual compartilhamos fotografias, diários e material coletado em campo, além de reportagens, dados oficiais e entrevistas transcritas. O grupo tornou-se também um espaço de troca de ideias e percepções, para além de armazém de dados. Assim, fizemos o registro cotidiano de micromobilidades. Encontramos durante a pesquisa muitos pequenos cursos de vida que nos ajudaram a reconstruir tanto a trajetória de Alecsandro, personagem ideal de cursos de vida singulares, quanto de uma moto, construída de muitos pequenos eventos reais que se repetiram em diversos relatos de nossos entrevistados e interlocutores.
PARTE 1 - MOBILIDADE DE UMA PESSOA POR TRABALHOS MARGINAIS
O deslocamento entre trabalho e crime no tempo
Outubro de 2022, 13:30. Sob um sol incandescente, estamos de pé à beira da estrada, diante de um ônibus rodoviário estacionado. Longe de qualquer ponto de apoio, entre Salinas e Montes Claros, estado de Minas Gerais, aguardamos o motorista ir até o posto de combustível mais próximo comprar diesel, há uns 40 km dali.
Numa roda de passageiros, conversamos cheios de frustração sobre os prós e contras de comprar uma passagem de “clandestino”. O motorista deixou o ônibus entrar em pane seca. Se defendeu afirmando problemas no medidor de combustível e falta de experiência com o consumo daquele veículo de segunda mão recém-adquirido pela empresa Expresso do Michel, que cadastrou na ANTT inúmeros pedidos de fretamento eventual e turismo.
Alecsandro - um passageiro - ponderou: “Infelizmente é isso mesmo, por isso nóis viaja nesses ônibus, se fosse em ônibus de linha, nóis ia pagar o dobro. Paguei 310 reais, ia pagar 700”. Isso era mais que o dobro, além disso havia outras vantagens potenciais. Um “clandestino” transporta mudanças de famílias ou encomendas grandes a preços muito baixos. Poderia ser uma tv, fogão, drogas, armas, mas também fardos de roupas, embarcados no Nordeste, ou caixas de calçados, vindas de São Paulo, além de mercadorias roubadas. Poderia ser, inclusive, uma motocicleta, como a que ia no bagageiro do ônibus, pertencente a nosso interlocutor. Alguns desses ônibus param na porta de casa dos clientes e suas famílias em pequenos povoados, fora do alcance de estradas asfaltadas. Uma grande empresa de transporte de passageiros dificilmente atenderia a essas demandas.
A polêmica entre “bolsonaristas” e “lulistas”, nutrida por passageiros e motoristas durante a jornada, nos aproximou de Alecsandro, um homem pardo, de cabelo crespo e curto, dentes malcuidados que tinha em torno dos 35 anos. Vestia um moletom folgado de cor cinza, assim como a camisa, que tinha uma estampa preta com letras de um grupo de rap. Posteriormente, já no destino da viagem, conversamos por um aplicativo de mensagens e assim combinamos de ir até a residência de Alecsandro, em uma cidade do ABC Paulista. Ele ficou com vergonha ou receio de nos receber na casa em que morava com a mãe, e acabamos por conversar debaixo de um poste de luz em uma das ruas de seu bairro.
Anos 90
Alecsandro nos falou que nasceu em meados dos anos 1980 em uma pequena cidade do interior do Nordeste e, por volta dos anos 1990, acompanhou os pais até São Paulo. De lá se dirigiu a uma cidade da região metropolitana de São Paulo, cidade na qual se fixou. Estudou até a 4ª série, abandonando a escola no final dos anos 1990, quando tinha aproximadamente 13 anos, para se tornar ajudante de borracheiro em uma oficina de motos. Os conflitos em casa se intensificaram quando se viu incapaz de cumprir, ainda garoto, o papel do “cabra-homi”. Não se via nos trabalhos rurais do pai, que cortou cana e agora atuava como servente de pedreiro na construção civil. O pai estava disposto a carregar pedra, se necessário fosse. As fantasias e ideais de Alecsandro haviam se movido em direção diferente das de seu pai.
Ao tempo que trocava pneus e aprendia sobre carburadores conheceu “garotões” de sua quebrada, aproximando-se das rodas de fumo e uso de cocaína, além de festas animadas por bebida e sexo. Seu pouco letramento o impediu de ler manuais e mudar de função na oficina, com o tempo seu patrão foi perdendo a fé de que podia contar com ele. Após ser demitido, abraçou o tráfico e o roubo.
Sua ansiedade com a ostentação e as mulheres “dos outros” o fez sonhar ainda mais junto dos garotões da quebrada, com quem fumava maconha e cheirava cocaína. Começou a roubar junto com um parceiro, de moto, para viver as aventuras que apenas o dinheiro pode comprar: roupas, bebidas e drogas. Algumas mulheres se atraíam pela performance da ostentação e os rapazes idealizaram essas situações.
Depois, começou a roubar motos, atendendo um intermediário que recebia encomendas de donos de lojas de peças usadas e roubadas. Tentou também fazer a correria do pó, mas não tinha o traquejo. Usava parte da cocaína e assim fez dívidas que não podia pagar com fornecedores e patrões. Isso acabou se tornando uma questão de morte e ele foi “espirrado” da favela que ainda não se orientava por uma “perspectiva-PCC”, nessa época, o mais forte se impunha. A família nordestina culpou as quebradas de São Paulo pela “perdição” do filho.
Com cerca de 15 anos, ainda no final dos anos 1990, ele acompanhou os pais de volta ao Nordeste. Eles decidiram voltar por sentirem falta da família e da terra natal, além de enxergarem na volta uma tentativa de tirar Alecsandro da “vida errada”. O pai de Alecsandro pagou a mudança e as passagens e premido pela urgência, fez a opção óbvia pelo ônibus clandestino.
No início dos anos 2000, não havia facção em sua cidade. O “crime” era integrado pelos “marginais” e “maloqueiros” mais velhos - poucos jovens - ligados ao roubo de cargas (melaço, cerveja, eletrodomésticos, entre outras), veículos, além do tráfico de maconha. Eles se organizavam sob a lógica do coronelato, regime de poder no qual ladrões e traficantes atuavam de maneira associada a fraternidades de policiais de baixa patente, praças, nos níveis mais baixos das cadeias mercantis ilegais. Esses policiais, por sua vez, trabalhavam para algumas autoridades políticas no executivo ou legislativo, municipal ou estadual, controlando o movimento de mercadorias roubadas para outras partes do país (FELTRAN et al., 2022; BRASIL; CONGRESSO NACIONAL, 2000) ou regulando serviços de pistolagem. Essas pequenas fraternidades de policiais de baixa patente ocupavam posições intermediárias entre o circuito inferior e superior que conectava mercados ilegais e legais em pequenas cidades de alguns estados do Nordeste.
Assim, seria incomum que um adolescente como Alecsandro estivesse no tráfico ou em esquemas ligados a grandes roubos no final dos anos 1990, ainda que fosse rotineiro um jovem como ele estar solto pelas ruas ou “nos matos” usando cola e solvente, como “menor abandonado”. A partir de 2003, entretanto, as coisas começam a mudar em seu município e em povoados rurais em torno dele.
Anos 2000
A volta ao pequeno município do Nordeste não foi como o pai de Alecsandro esperava. Ele falou de como a saudade do sítio e do mundo rural entrou em conflito com a falta de empregos e baixas remunerações. O pai passou a não entender como vivia antes, trabalhando exaustivamente e recebendo muito pouco. Para Alecsandro também não foi como esperava. Trabalhou fazendo carrego em feira e entregando água, em cima de uma moto comprada pelo pai, enquanto a mãe trabalhava em uma banca de churrasco e em um abatedouro da cidade. O pai continuou como pedreiro, mas com menos oportunidades. Não havia um trabalho respeitável para um jovem sem letramento e curso técnico.
Ele atravessou a fronteira em busca do respeito associado à diversão, aproximando-se do dinheiro disponível no “crime”. Notou a expansão do tráfico nas periferias rururbanas do município, seja em conjuntos habitacionais longe do centro e sem infraestrutura, seja em pequenos povoados no entorno das sedes dos municípios. Ficou surpreso ao encontrar bocas de fumo e biqueiras na zona rural seis anos depois de ter deixado o município. O dinheiro girava em pouca quantidade, mas rápido. Algumas crianças e muitos adolescentes estavam usando o mesclado, mistura de loló e crack, que chegou na região a partir de 2005, via Comando Vermelho (CV). O uso da maconha entre trabalhadores da cana era já bem conhecido. Crianças e jovens, em grande medida abandonados e que passavam fome, passaram a comprar guloseimas, lanches, roupas e bebidas com o dinheiro do tráfico pingado nas mãos de “aviõezinhos” e de adolescentes “quebradores”, matadores do tráfico. A transformação em suas vidas foi sentida, por isso, como radical.
A droga mais comprada era a maconha, anteriormente do tipo “solta”, mas agora encontrada quase que exclusivamente na forma “prensada”, sintoma da chegada silenciosa das facções, inicialmente via PCC. A cocaína era cara para as rendas disponíveis naquela pequena cidade e seus povoados, mas se podia cheirá-la nas “sociais”, festas em que se tinha acesso a drogas mais caras, pagas pelo patrão, além de serem animadas por música e sexo entre homens e mulheres (SANTOS, 2023). Na “social” o sexo era, de modo geral, uma liberdade individual, ainda que algumas garotas e garotos vendessem seus corpos para autoridades políticas e homens ricos da rede de municípios próximos em outras ocasiões.
Não demorou e Alecsandro começou a andar nas rodas de fumo do conjunto habitacional rururbano no povoado, além de frequentar as “sociais”. Começou a usar o mesclado, emagreceu cada vez mais e voltou a assaltar. A partir de 2005 as tensões entre gangues de ruas e bairros se misturaram abrupta e silenciosamente a questões e negócios de facções, aumentadas com a crescente disseminação do crack e da maconha prensada. Era o início de um processo ainda incerto de faccionalização de biqueiras e bocas de fumo, no qual grupos cada vez mais jovens se aliavam a “bandidos” mais velhos que se aproximaram de aliados do PCC ou ao CV de outras regiões do país a partir das prisões. Ambas as siglas chegaram ao mesmo tempo em diferentes bairros do município devido a ampla circulação de presos entre unidades prisionais de diferentes estados após 2002 e entre cadeias e quebradas de seus estados, no entra e sai de presos e presas (GODOI, 2017). Esse fenômeno foi borrando antigas rivalidades, agrupando bondes, galeras e gangues a redes aliadas de fornecimento de drogas e de proteção em torno de pontos de venda de crack, maconha e cocaína (PAIVA, 2019a).
A grande mudança a nível local expressa no proceder desses grupos foi o fortalecimento da mentalidade faccional de combate aos caguetas ou cabuêtas do crime em povoados rurais ou ruas de bairros rururbanos. Estes se nutriam do apoio de policiais ou guardas municipais, com quem tinham negócios no tráfico ou roubo. As facções marcaram sua diferença para o crime existente através do combate sistemático ao “língua de lagartixa”8, associado à atuação de polícias e coronelatos nos negócios locais de drogas e roubos.
Não era apenas uma batalha de facções entre si, mas também delas contra coronelatos, capitaneados na quebrada por agentes de forças de segurança, sejam eles seguranças privados, guardas municipais ou policiais militares. Nesse ponto, tratava-se de combates que traziam uma novidade: o fortalecimento de alianças faccionais como ponto de referência de fraternidades criminais locais deslocando, e não suprimindo, o papel de policiais de baixa patente no crime, nomeadas pela mídia dos anos 1980 e 1990 como “as gangues fardadas”. No início dos anos 2000, esse processo estava ganhando forma e era a raiz da subida vertiginosa das taxas de homicídios na região Nordeste (FELTRAN et al., 2022). Eram múltiplos polos de poder que se conflitavam: gangues, bondes, equipes, facções, fraternidades de policiais, guardas municipais e sindicatos-jagunços.
Em meio ao processo de faccionalização dos bairros rururbanos de seu município, na qual as regras de facção não estavam consolidadas entre os moradores, Alecsandro foi expulso por causa de assaltos que fez na região. Dessa vez, ele e a família decidiram que ele tinha de ir sozinho para outro lugar, evitando tanto ser morto como colocar seus parentes em risco. Para ajuda-lo, o pai acionou familiares que foram “tentar a vida” no nordeste do Mato Grosso.
O primo do pai, valendo-se de seu respeito junto ao patrão, conseguiu para Alecsandro um emprego de segurança em uma fazenda de soja. O funcionário anterior ficou incapaz de exercer o serviço devido a um acidente de moto. O trabalho consistia em ser uma espécie de jagunço. Era preciso ter disposição para intimidar pessoas sem propriedade que tentam ocupar um pedaço de terra para plantar, pequenos ladrões ou vizinhos invasores que querem ampliar suas já imensas propriedades. O trabalho requeria longos deslocamentos pela fazenda e uma moto era um instrumento necessário. Ademais, um nordestino pouco letrado dos sertões é bem-visto para esses trabalhos.
O pai cede a moto que tinha, uma Honda Pop, para Alecsandro assumir a função. Ela é embarcada na carretinha acoplada a uma van que correria o trecho entre uma cidade do Nordeste e o Centro-Oeste. Uma viagem extenuante de 48 horas, sem possibilidade de reclinar a poltrona. Mas o preço da passagem e do transporte da moto “compensou”. No novo lugar ele não tinha ninguém conhecido. O primo do pai era uma pessoa distante que o recebeu como um favor ao seu “velho”. Ele procurou o mundo familiar no lugar estranho e acabou novamente em rodas de fumo, agora tendo ido para negócios em biqueira. Não tinha o perfil do tráfico, usava a própria mercadoria e ficou devendo ao patrão, vendo-se na necessidade de roubar para pagar dívidas. A fama de ladrão atribuída a ele na região, mesmo atuando como segurança de fazenda, além do rótulo de forasteiro nordestino, o colocou sob a mira de traficantes locais. Ele ficou sabendo da intenção de donos de boca lhe “passarem” e preparou uma nova evacuação. Em cidades do Centro-Oeste, assim como na cidade de onde vinha no Nordeste, as facções iam se enraizando em pequenos e médios municípios.
A essa altura, ele não podia mais voltar à sua cidade natal e seus pais estavam de volta ao ABC paulista. A vida de “adolescente” foi vivida na intensidade veloz do crime e das mudanças de território. Em 2004 ele tinha 18 anos e a convicção de que o trabalho de trabalhador é humilhação e o corre no crime é progresso.
Alecsandro voltou para São Paulo e foi preso novamente por um assalto a um posto de gasolina em uma cidade no interior do estado. Ele ficou preso por quatro anos e meio, saindo aos 22 anos, com uma visão aprofundada do crime de acordo com uma perspectiva-PCC (BIONDI, 2018), no período em que o crack é banido das cadeias paulistas e a ideia de monopólio da facção se difunde (FELTRAN, 2012 ; MANSO; DIAS, 2017).
Anos 2010
Quando saiu da cadeia, em 2008, conheceu sua primeira companheira. Os dois tiveram uma filha. A vida seguiu com ele na caminhada do crime, mas com uma visão diferente, mais “estruturada”. Após novos assaltos, “caiu” de novo, e conheceu mais sofrimento. Ficou mais quatro anos e oito meses na cadeia, saindo aos 27 anos, em 2013. Durante esse período, sua companheira o visitou na cadeia, mas a relação se desgastou. Quando saiu, sentiu a mudança da relação; a companheira não o desejava mais. Ele procurou gratificações em festas, relacionou-se com outra mulher e a relação com sua companheira terminou. Teve uma filha com a nova mulher, mas ela foi presa e ele ficou com a responsabilidade de cuidar da menina, junto com sua mãe. A mulher com quem teve a filha era adicta ao crack e participava do tráfico local. Nesse período, alimentou o sonho de voltar ao Nordeste, uma vida mais sossegada, ideia perene no Sudeste. Renato Russo já cantava nos anos 1980 que “no Nordeste tudo [estava] em paz”9, no mesmo período em que alguns estados nordestinos tinham algumas das maiores taxas de homicídios do país.
Alecsandro entrou em contato com a família de sua cidade e falou de sua vontade de voltar. Foi bem recebido, ao menos durante o primeiro mês. Novamente, o retorno não foi para um Nordeste tranquilo e pacífico. Em torno dos 35 anos, tinha uma outra cabeça, era menos afoito que os adolescentes que via controlar biqueiras em seu município. Diferente de São Paulo, não havia uma facção dominante. Além do PCC, tinha os Neutros, um nome guarda-chuva para coletivos já influenciados por procederes de facções nacionais, que cresciam vertiginosamente (RODRIGUES, 2021) e o CV, facção mais poderosa em sua cidade. Esse foi o ponto de tensão mais forte em torno do qual decidiu retornar a São Paulo.
Apesar de ter manifestado vontade de se distanciar do crime, as marcas do PCC estavam em seu corpo, no seu sotaque, nas suas ideias. Estava com receio do maior poder exercido por “garotões” aliados do CV (Comando Vermelho) sobre “bocas de fumo”. “Lá estava muito violento, qualquer coisa o cara já mata” ele afirmou. Quem vinha de uma caminhada e um aprendizado PCC, tinha internalizado que matar era “burocrático”, precisava perguntar e checar muito antes de fazer uma “cobrança”. De seu ponto de vista, o crime no município de sua família no Nordeste era “zuado”, bagunçado, com regras pouco precisas. Havia ainda muitas pontas soltas, muitos garotões afoitos, como se dizia na sua cidade, ou emocionados, como se fala em São Paulo. Ademais, continuavam a atuar os “cabuêtas” que trabalhavam com os policiais ou guardas municipais, cada vez mais conhecidos como milicianos, que entregavam para polícia ou combatiam os caras do tráfico e do roubo aliados à facção.
Visando sair de possíveis “tretas do crime e de facção” em sua cidade, ele comprou uma moto para “trampar” com o que aparecesse. Entrega de aplicativo ou pequenos serviços para comerciantes locais. A origem dessa moto está relacionada a uma cadeia mercantil de uma moto obtida em um esquema “pokémon” que abordaremos em outra seção. O crescente domínio do CV frente ao PCC em sua cidade aumentou o receio de que pudesse ser lido como aliado do “3” (PCC) e ser assassinado. Assim, sentiu-se pressionado a voltar para o estado onde mais tempo passou, São Paulo, pelas condições de vida e para criar a filha, nos disse. Foi nessa jornada de ônibus entre sua cidade e São Paulo que o conhecemos, com sua moto no bagageiro. Depois, o visitamos em sua casa no ABC paulista.
PARTE 2 - MOBILIDADE DE UMA MOTO E O ESQUEMA “POKEMÓN”
Da fazenda à concessionária, da financeira ao banco
A trajetória da Honda Pop de Alecsandro iniciou em uma fazenda de café tipo exportação, no interior de um estado do Sudeste. Era setembro, final de safra e Julião - o gerente da fazenda - a mando de Gonçalo - o proprietário - reuniu RG’s, CPF’s, fotografias 3x4, procurações e comprovantes de endereços de dezenas de trabalhadores sazonais em condições análogas à escravidão para preencher cadastros de financiamento. Para os trabalhadores, o gerente falou da necessidade de cadastrá-los no sistema da fazenda.
Em posse dos documentos, Gonçalo se dirigiu à concessionária do município e foi diretamente à sala de Maxsuel. Lá, Gonçalo fez um pedido de 50 motos: 20 modelos Pop 110 cilindradas, 20 CG´s Titan 160 cc e 10 modelos Brós 160 cc. As motos foram financiadas sem valor de entrada. Isso foi possível devido ao auxílio de Max, que enviou 50 fichas de cadastro em nome dos trabalhadores por meio da “MG Financiamentos”. Essa empresa é uma Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimentos (SCFI), instituição privada, popularmente conhecida como “financeira”, fornecendo empréstimo e financiamento para aquisição de bens, serviços e capital de giro.
Uma financeira pode ou não ser associada a bancos, como também pode fazer parte de conglomerados econômicos e operar como braço de grupos comerciais ou industriais de maior porte. Ela deve ser constituída sob a forma de sociedade anônima, cuja denominação social deve constar a expressão “Crédito, Financiamento e Investimento”, supervisionadas pelo Banco Central. Ademais, o banco não tem condições de analisar todos os pedidos de financiamento. Por isso, o trabalho é terceirizado e o proprietário da financiadora trabalha para o banco, acessando o sistema de avaliação e fornecimento de crédito do banco.
Em condições regulares, os pedidos de financiamento inseridos no sistema por Moura não seriam aprovados, pois é necessário que a pessoa esteja sem restrições no SERASA10 decorrentes da inadimplência, comprove renda para pagar as parcelas, tenha um bom score nas plataformas de crédito, além de não ter idade superior a 60 anos. Ademais, realizar o pagamento de entrada a partir de 20% ou 30% do total financiado é quase sempre exigido para faturar qualquer veículo. Quando os cadastros não cumprem as exigências acima, o sistema notifica o operador da financeira com uma tarja vermelha na tela do computador, indicando o cuidado que se deve ter ao analisar uma ficha de financiamento em razão do risco de inadimplência por óbito, incapacidade financeira ou risco de fraude nos documentos apresentados.
Contudo, o cadastro das motos foi aprovado sem dificuldade. Moura atua no setor de análise de riscos e só precisou dos contracheques adulterados e das procurações para compra das motos em nome de cada trabalhador. Moura enviou as 50 fichas avaliadas como “pré-aprovadas” e para isso, recebeu 20 mil reais (400 reais por cada ficha enviada). Isso é equivalente a mais de 14 vezes o que recebe um trabalhador regular pago por Gonçalo, ou seja, um salário-mínimo11. Lembremos que os trabalhadores não receberam qualquer valor pelas informações que viabilizaram os financiamentos.
Logo em seguida, Moura ligou para Roberto, que opera em um grande banco privado da cidade e atua no setor de consórcios e financiamentos. É Roberto quem recebeu as fichas pré-aprovadas de Moura. Ele as analisou, aprovou e levou, por fim, a Rogério, gerente do banco, para o aval final. Todo o serviço de aprovação entre Max, a MG financiamentos e o banco não durou mais que cinco horas e se basearam na amizade de longa data entre Moura, Gonçalo e o consultor de vendas, Max.
Julião retirou as motos da concessionária 25 dias depois. Elas estavam cobertas com capa de courino preto e foram transportadas no semi-reboque de dois eixos conectado a uma picape para uma outra fazenda de Gonçalo, um lote de terra afastado da cidade que tem dois objetivos: esconder as motos e servir como local de embarque e desembarque das motocicletas 0km.
Por meio do WhatsApp, Max intermediou todo o lote de motos com Flávio, seu parceiro em um estado do Nordeste. Antes de ser consultor de vendas, Max foi corretor informal de carros e motos e por isso construiu uma rede de compradores em diferentes partes do Brasil. Max recebeu 20 mil de Gonçalo pela intermediação do negócio. Já Flávio atuou em nome de um consórcio baseado em vínculos de família e de amizade que reuniu o dinheiro de 6 pessoas e comprou o lote de motos por menos da metade do preço, se comparado ao preço da concessionária - Pop 15 mil (10,6 S.M.), CG Titan 24 mil (17 S.M.), e Brós 27 mil (19 S.M.). Para Gonçalo cada Pop saiu por 5 mil (3,5 S.M.), a CG por 8 mil (5,6 S.M.) e a Brós por 11 mil (7,7 S.M.). É apenas no mercado ilegal que trabalhadores nas posições mais baixas das cadeias de valor podem comprar seus meios de mobilidade e reproduzir suas sobrevivências e explorações. É na luta pela vida que o trabalhador investe de sentido sua existência, ao mesmo tempo, é na batalha cotidiana que as pessoas nas posições mais altas das cadeias de valor tiram proveito dessa existência.
As motos foram transportadas em três viagens em um caminhão “mercedão” L1620 por Cleitinho, caminhoneiro e amigo de infância de Max. Cleitinho recebeu 5 mil reais (3,5 S.M.) por cada entrega de motos. Para ele, o serviço completo de transporte totalizou 15 mil reais (10,6 S.M.).
As motos foram cuidadosamente colocadas em caixas de madeira pinus e embarcadas na carroceria junto com caixas de tomate. Todas as motos saíram da concessionária emplacadas, e por isso foram transportadas sem receio das barreiras policiais. Cleitinho portava todos os documentos comprobatórios dos financiamentos, o que tornava legal o deslocamento das motos. A caixa de madeira era somente para a mercadoria não ser avariada durante o trajeto. Durante a madrugada as motos seguiram por rodovias federais e estaduais até o comprador, que as recebeu no fundo de uma feira livre em um pequeno município do interior do Nordeste.
Ao mudarem de mãos as motos movimentaram 370 mil reais (262 S.M.) nessa cadeia. A distribuição desses valores foi muito desigual. Gonçalo ficou com 275 mil (195 S.M.). Max, Moura, Roberto e Rogério receberam 20 mil reais (14 S.M.) cada um, pela participação na aprovação do financiamento junto ao banco. Já Cleitinho, como dito antes, recebeu 15 mil (10,6 S.M.) pelo transporte. Na outra ponta, os trabalhadores não receberam qualquer quantia por fornecer suas informações, simplesmente foram expropriados delas. Essa movimentação aconteceu duas vezes por ano nos últimos anos. De um lado, Gonçalo embolsou 550 mil (389 S.M.). Ele transformou esse dinheiro em propriedades de terras pelo país, mirando ganhos com atividades extrativas. De outro lado, os trabalhadores permaneceram com suas rendas estagnadas, ou reduzidas pela inflação, muitos deles em situações análogas à escravidão
Da vendedora de munguzá ao pátio de leilão, passando por um “garotão”
Flávio vendeu o lote inteiro de motos em cidades do interior do Nordeste, movimentando 430 mil reais, (304 S.M.) O dinheiro com o qual comprou os veículos, como antes indicado, pertencia a ele e mais cinco pessoas: um tio, um primo, o pai, o irmão, além de dois colegas do Detran. Cada um ficou ao final com mais de 61 mil reais (5,5 S.M. de lucro), referente às partes iguais que cada um investiu no esquema, quase 53 mil reais (37,5 S.M. de investimento). Uma das Honda Pop foi vendida a 6.500 reais (4,6 S.M.) a dona Lourdes, “vendedora ambulante” de cuscuz, arroz doce e munguzá, mingau de grão de milho também conhecido como canjica. Dona Lourdes sabe que a Pop é fruto de um esquema ilegal, mas não lhe interessou saber qualquer detalhe. O cuidado com o qual recebeu o veículo lhe transmitiu segurança. Ela e muitas outras pessoas Brasil adentro precisam de uma moto para resolver problemas cotidianos em bairros diferentes ou em municípios vizinhos, sendo vital para seu pequeno negócio funcionar.
Do ponto de vista da lei, a moto pode rodar por três meses sem pagamento das parcelas do financiamento. Após esse período, a Honda Pop torna-se objeto de busca e apreensão. A partir daí a moto converte-se em veículo “pokémon12“. Esse é o termo êmico para a moto que precisa ser “guardada” em pequenas garagens, em lugares distantes e isolados do centro da cidade, por um período de seis meses a um ano visando fazer com que o oficial de justiça desista de localizar o veículo e executar o mandado de busca e apreensão.
Isso foi bem explicado à Dona Lourdes que não se preocupou. A busca e apreensão seria expedida no Sudeste e a moto estava no Nordeste. Flávio passou total segurança para sua cliente e “irmã”. Ele é um policial civil e agiota que frequenta a mesma congregação evangélica que ela. Então, tudo certo.
A moto 0km serviu a uma família inteira por três anos em serviços cotidianos e ao pequeno negócio. A pop transportou crianças para a escola, carregou as compras na caixa de frutas acoplada ao fundo da moto e puxou a carrocinha de sopa, mugunzá e arroz doce que Lourdes e a família vendiam na praça central da cidade todas as sextas, sábados e domingos no final da tarde. Além disso, a “motinha” foi veículo de ronda do companheiro dela durante a noite, na escola municipal da cidade. Aos finais de semana, a Pop sempre possibilitou o encontro de Lourdes e sua mãe, na zona rural da pequena cidade onde morava. É importante salientar que a Honda Pop possibilitou a ela uma renda mensal de 3 mil reais (2,1 S.M.). Para seu marido, Lourival, a renda era menor, 1.412 (1 S.M.) realizando a ronda da escola em que trabalhava. A moto, ao longo de três anos, viabilizou a família de trabalhadores o valor de quase 159 mil reais (112 S.M.), sem retirar os custos com manutenção e combustível. Dentre os envolvidos no esquema de compra e venda das motos, apenas Gonçalo faturava mais de 3 vezes em um ano, 550 mil (389 S.M.) por ano, já retirando os “custos operacionais”.
Após três anos de serviços prestados, a moto, já bastante usada, foi repassada por Lourdes novamente a Flávio, por mil reais, como entrada informal para aquisição de uma motocicleta 0km, no mesmo esquema em que adquiriu a primeira. A Pop foi revendida por 1.800 reais (1,2 S.M.) na casa de Flávio para Maicon, um “garotão” do ensino médio que comprou a moto com o benefício do “Bolsa Família” recebido por sua mãe. Maicon precisou de dois meses para comprar a moto, dado que sua mãe é a chefe da família e possui ao todo três filhos, por isso ela recebe 1.200 reais (0,84 S.M.) de valor total pelo benefício. Já Flávio lucrou ainda 800 reais (0,56 S.M.) com a recompra e a revenda da moto usada.
A pequena moto logo mudou de “cara” e função. Seu escapamento foi substituído por um esportivo popularmente conhecido como “Sarachú”, proibido por lei. A pop também ganhou adesivos ao estilo “chora boy13”. Tudo isso para impressionar uma garota que Maicon conheceu através de um aplicativo de namoro. A Pop não durou mais que algumas semanas em suas mãos e nem chegou ao destino ansiosamente desejado por ele. A Pop com “escape” personalizado chamou a atenção devido ao barulho do escapamento e aos adesivos, tornando-se objeto de uma abordagem de policiais militares. Após averiguação, ela foi apreendida a dois quarteirões do local marcado para o encontro. Estava em aberto um pedido de busca e apreensão, expedido pelo escritório de advocacia do banco financiador no Sudeste, datado de quatro anos antes. A moto também acumulava quatro anos atrasados de IPVA e licenciamento, e essa foi a justificativa para que a Pop fosse levada para o pátio da delegacia daquela cidade.
Já Maicon foi “enquadrado”. Recebeu um tapa no rosto e dois “baculejos”. Os policiais militares perceberam que a combinação entre números e letras da placa indicava que a moto era de outro estado. Desconfiaram que era mais um veículo do esquema de Flávio, o policial civil e agiota, a quem o garotão pediu ajuda, para reaver a moto.
Entretanto, existe um conflito entre os policiais militares que prenderam a moto e agrediram Maicon e Flávio. Há algum tempo alguns policiais militares também disputam a distribuição interestadual de motos ilegais. Eles tentam enfraquecer o policial civil e agiota realizando mais operações para fiscalizar e controlar a rodagem de veículos irregulares como a Honda Pop.
O equilíbrio de poder entre alguns membros da polícia militar e o policial civil é tensa. No plano local, Flávio é respaldado por uma fraternidade de policiais civis mais velhos que são seus familiares. Essa família faz parte da polícia há bastante tempo. Eles construíram alianças para controlar a venda de veículos e participar diretamente nos leilões que são organizados por órgãos públicos. Eles indicam leiloeiros e veículos que serão leiloados além de influenciar os valores iniciais dos lances. Também são apoiados por um influente político nordestino que antes das eleições de 2018 já era conhecido localmente entre as forças de segurança como um abastado agiota, policial civil e vendedor de munição para armas de fogo.
Já os policiais militares que desejavam dominar a distribuição das motos “pokémon” eram respaldados por Bastos, fazendeiro hortigranjeiro nordestino que adquiriu recentemente uma fazenda no Sudeste. Antes de o grupo de homens ascender à polícia militar, eles trabalhavam como motoristas de caminhão para o fazendeiro. Eles foram incentivados e auxiliados por Bastos a ingressarem na polícia militar. Eles fortaleceram laços de confiança dentro da polícia, mas seguiam compromissos mercantis como “jagunços” de Bastos. O controle de mercados por homens-fortes locais continua a requerer uma força armada privada, nutrida por integrantes de forças de segurança estatais, municipais e estaduais.
Um mês após a Pop 100 ser apreendida pelos policiais militares, ela foi levada para um grande pátio de um complexo onde funcionava o Detran, a polícia civil e a delegacia da mulher, juntando-se a outras motos. Todos os veículos apreendidos da região são levados para esse local. Após um ano debaixo de sol e chuva, a motocicleta foi considerada “bem móvel inservível” e anexada a um dos 30 kits de motos, carenagens, peças e motores que o Detran havia formado para um novo leilão de veículos.
Do leilão ao trabalho criminal e informal
Na grande maioria das vezes, as motos apreendidas e leiloadas no Detran foram de “corres” como assaltos, furtos, ou vieram de esquemas “pokémon”, sendo alvos de busca e apreensão por parte dos bancos. O pacote no qual a Pop estava anexada foi faturado por Rubens. Ele foi mecânico de motos de baixa cilindrada no morro do pequeno município próximo ao complexo policial da cidade. Ele também foi o responsável pela manutenção das motos dos garotos e do patrão, dono de pontos do tráfico ligados ao Comando Vermelho.
Rubens enxergou uma oportunidade para abrir uma oficina quando o Detran anunciou o leilão pela internet. Mas antes de o leilão ser anunciado, o “coligado” que trabalhou no Detran “deu o toque” a ele. A par de todos os detalhes, o leilão foi arrematado por Rubens na internet pelo valor total de 4 mil reais (2,8 S.M.), pagos à vista. Dois mil pagos pelo lance, mil ao agente do Detran e mais mil reais pagos ao policial civil que fez a segurança do seu pacote no pátio.
É muito frequente policiais civis e rodoviários estaduais administrarem ou fazerem a segurança de pátios de carros e motos. Alguns deles estão interessados na facilidade de comercializar peças, partes e motores dos veículos. Alguns desses policiais também criam pequenas empresas de peças ou recuperadoras de carros, pagando por fora outros policiais para recuperar carros roubados ou furtados (FELTRAN; FROMM, 2020).
Quinze dias após o arremate, a Pop e outras peças foram recuperadas na garagem de Rubens, adaptada como oficina. A Honda Pop, antes inservível, teve o motor retificado, recebeu uma plotagem na cor “imperial blue”, semelhante à sua cor original “azul araras”, e foi lançada no grupo de “zap” da quebrada como uma nova moto disponível para negócio.
Diferente das modalidades de compra mais usadas pelos brasileiros no setor formal, financiamento e consórcio (ABRACICLO, 2023), nos mercados controlados por coronelatos e facções uma moto é repassada por modalidades mais flexíveis e informais. Tudo depende da condição econômica dos compradores e das formas de garantias oferecidas pelo vendedor. Tipicamente, uma Pop como a que foi leiloada pode ser reformada e preparada para dois grupos de clientes.
A moto “motorzinho” é repassada ao cliente que “corre pelo certo”. Com garantia, motor retificado e de pouca performance, nos explica Rubens: “é o tipo de moto que a professora do município vai pra escola e volta, tá ligado?! É a moto que o segurança ali da esquina leva a filha pra creche e vai pra firma fazer a ronda… ou a tia Lúcia ali de baixo que rasta o hot-dog”. Essas motos têm entre 50 e 100 cilindradas e são usadas para a mobilidade no cotidiano.
Mas também existe a moto de “fuga”. A mesma Honda Pop pode ser preparada para se tornar um veículo “lobo em pele de cordeiro”, passando por uma troca de motor que pode atingir uma potência acima de 350 cilindradas. “Os gambé14 anda nas moto de trezentas cilindrada. A gente tem que andar em moto acima disso, tá ligado?!”, nos relata Rubens. Essas motos são repassadas aos “pivetões”, responsáveis pelo delivery de loló, pedra de crack e “trouxinhas” de maconha em diversos pontos da cidade, na calada da noite.
Independentemente de ser uma moto “motorzinho” ou de “fuga”, ela pode ser negociada a partir de diferentes modalidades: (i) aluguel semanal, quinzenal e mensal; (ii) venda parcelada no cartão de crédito c/ juros; (iii) venda parcelada na “nota promissória” (iv); venda parcelada com acerto de palavra; (iv) rolo com moto de entrada.
É importante salientar que a venda da Pop, por exemplo, na nota promissória, ou venda com acerto “de palavra” acontecem quando há um fiador “sujeito hômi” que garanta o pagamento da moto, caso o comprador não o faça. Esse fiador é necessário para garantir a cobrança da mensalidade. Além de garantir sua palavra ao vendedor, ele deve saber que a dívida será repassada ao “gerente” do morro, dominado pelo Comando Vermelho, caso o comprador não pague. O serviço de proteção e cobrança oferecido por coletivos aliados de facções nacionais aos vendedores é o que faz funcionar o regime de garantias dos pagamentos informais e a permanência das trocas que moldam o circuito inferior por onde se desloca esse tipo de veículo (Santos, 2008).
A Honda Pop foi vendida por 6.500 reais (4,6 S.M.). As maneiras de pagamento foram flexíveis. Com os cartões de crédito da avó, mãe e tia, Bete parcelou a moto em 25 prestações de 260 reais. Ela adquiriu a moto para facilitar a mobilidade de seu marido nas jornadas de trabalho. Aqui, novamente a moto gerou renda. Rubens, após o investimento de 4 mil reais no leilão, obteve um retorno de 2.500 reais de lucro (1,4 S.M.), somente na Pop. Se levarmos em consideração o valor que obteve em todo o kit que adquiriu, o valor total foi de quase 20 mil reais (14 S.M.), segundo nos disse em sua oficina.
Quinze dias depois, Bete pediu ajuda a Rubens para transportar a Pop a um polo regional do interior do Nordeste. Seu companheiro, Robson, havia aceitado o convite para trabalhar como montador de ferragens na duplicação de uma rodovia. Rubens passou para Bete por “zap”, o contato de seu colega Buiú, proprietário da empresa “Pinguim Turismo”. Buiú é um velho conhecido de Rubens, motorista do ônibus clandestino que opera semanalmente entre os estados do Nordeste e São Paulo.
A Honda Pop foi embarcada no fundo do bagageiro de um Marcopolo G7, Chassi Mercedes-Benz, numa sexta à noite. Passou pela BR-116 e BR-101 além de uma rodovia estadual chegando a seu destino em um bairro afastado da cidade no sábado de manhã. A Pop transportou durante um ano Robson em seus deslocamentos diários para o canteiro de obras. Contudo, sua motocicleta o serviu mais nos deslocamentos extraconjugais de finais de semana para encontrar Isadora, uma adolescente de 18 anos, moradora do povoado de um município próximo, em uma zona rural.
Os 160 quilômetros semanais percorridos pela Pop, indo e voltando entre dois municípios, aproximaram Robson de sua segunda companheira e fez surgir o terceiro filho de Robson e primeiro de Isadora, Bento. A criança veio ao mundo trazendo dívidas e preocupações ao casal e desgosto à Bete, esposa de Robson. A moto tornou-se uma preocupação para Robson porque ele já acumulava duas parcelas da fatura do cartão de crédito da avó e mãe de Bete - sua primeira companheira.
A moto então foi repassada por ele à boca pequena para o primo de Isadora que havia chegado recentemente em seu povoado rural e necessitava de uma moto para trabalhar. É aqui que a Pop vai para as mãos de Alecsandro. Ele comprou a moto por 3.600 reais (2,5 S.M.), sendo mil reais a entrada e o restante dividido em 13 parcelas de 200 reais - valor que quitaria a dívida de Bete com sua família.
A Pop nas “mãos” de Alecsandro virou mototáxi. Durante o dia a moto transportava pessoas e peças automotivas das lojas para as oficinas. À noite, a moto servia como veículo delivery de lanches e bebidas pelas plataformas do Ifood e Zé Delivery. Contudo, como indicado na primeira parte, apesar do pequeno veículo ter sido encarado como uma porta de saída do crime para Alecsandro, seu corpo ainda estava marcado pela perspectiva PCC, algo que no contexto de sua cidade o fez temer pela vida. Assim, decidiu voltar à São Paulo, embarcando sua moto em um ônibus clandestino.
Conclusão
Argumentamos neste estudo que muitos dos conflitos potencialmente letais percebidos como fragmentados em pequenos municípios do Brasil tem uma forma: a de disputas por mercados ilegais que conectam diferentes escalas institucionais e grupos. Pode abranger prefeituras, governos estaduais, fazendas, multinacionais alimentícias, além de grupos armados como policiais ou facções.
De um lado, envolve o esforço para usar e agenciar infraestruturas físicas e digitais, além de cadeias logísticas associadas às indústrias extrativas, particularmente do agro e da construção civil. De outro, coletivos criminais e fraternidades eleitorais disputam o controle de parcela da vida de populações locais em seus municípios. Essas tensões produzem deslocamentos inter-regionais Brasil adentro e estão na base de instabilidades associadas às fricções entre regimes de poder nas margens internas do Brasil: os coronelatos e as facções.
As facções nacionais foram mais debatidas recentemente pela literatura (CANDOTTI; CUNHA; SIQUEIRA, 2017; CIPRIANI, 2021; DUARTE, 2021; PAIVA, 2019a; RODRIGUES; FELTRAN; ZAMBON, 2023) especialmente no que concerne ao estabelecimento do PCC e do CV para diferentes regiões do Brasil, ainda que haja pouco conhecimento sobre como chegaram aos pequenos municípios e suas zonas rururbanas.
Trouxemos a noção de coronelato para captar um regime de poder menos discutido, mas que nos parece basilar para compreender os mercados ilegais Brasil adentro. O coronelato, como utilizamos aqui, é um regime político e mercantil que se baseia em dois pontos: busca por controle das eleições por alguma família política e acesso delas ao poder armado dos integrantes das forças de segurança estatais. Sem o acesso aos poderes de ataque e defesa fornecidos por policiais militares, guardas municipais e outros agentes estatais armados e na falta de contar com pessoas em cargos associados às vitórias em eleições, o coronelato sobre mercados não se configura. Assim como no coronelismo (LEAL, 2012), não há coronelato sem estado, especialmente o municipal e o estadual, níveis em que estão concentrados a territorialização de poderes sobre economias populares nas periferias urbanas.
Para que um homem, mulher, ou família política terratenente tenha o controle sobre a lucratividade da fatia de um mercado costuma ser necessário algumas condições: ser senhor ou senhora das urnas, e assim, de cargos e regulações normativas ao nível municipal; ter um braço armado lastreado no funcionalismo estatal militar. A partir de tal base política e militar, é possível ampliar a influência no judiciário, baseado no poder sobre mercados populares e periféricos. Recursos estatais - econômicos e simbólicos - humanos e físicos, assim, são agenciados para controlar mercados e constranger populações locais (SIDEL, 1999). Certamente, é uma lógica próxima da milícia, como ela funciona na cidade do Rio de Janeiro, mas não encontramos evidências de que a prática de milícia tenha sido transferida do Rio de Janeiro para regiões no Nordeste.
Reunimos, ao longo dos anos de pesquisa, evidências de que o controle de mercados urbanos populares em periferias urbanas de municípios Brasil é herdeiro do coronelismo, um regime político encontrado em pequenos municípios no Nordeste e outras regiões do país que não parecem ser primeiramente efeito da herança do poder centrípeto carioca sobre as margens estatais e nacionais.
A literatura existente não se atentou para a importância dessa lógica de poder sobre os mercados e conflitos de que fazem parte pobres rurais e urbanos nos pequenos municípios. Nossa hipótese, ainda a ser mais bem investigada, é que isso teve diferentes efeitos sobre as redes de interdependência entre pequenas, médias e grandes cidades.
Os estudos sobre coronelismo enfatizaram diferentes aspectos dos regimes políticos em municípios brasileiros, como o controle eleitoral por chefes políticos de origem latifundiária, o uso de grupos armados para intimidar a população local e a organização familiar tanto dos partidos quanto dos negócios em torno do homem forte local (“o coronel”). Entretanto, pouco se falou sobre a relação dessas dimensões com os mercados e conflitos que entramam pobres rurais e urbanos nas margens nacionais. As preocupações se concentraram sobre as posições altas do coronelismo.
A massiva migração dos campos para as cidades parece estar na base da reprodução de lógicas coronelísticas no mundo urbano. Agora não mais centradas no senhor rural, mas em senhores urbanos que concentram o poder militar. Seja sobre a forma de uma polícia-jagunça que trabalha para políticos, seja como membros das forças de segurança estatais que se tornaram eles próprios fraternidades políticas interessadas no controle das urnas. Isso anula ou restringe o regime político legal de instituições estaduais e federais. Nosso argumento é que tanto facções quanto coronelatos disputam recursos logísticos que lhe permitem atuar em mercados, por meio de seus braços armados e eleitorais.
A partir das pesquisas que temos feito, é possível apontar que no percurso de três décadas, cinco fenômenos ganharam destaque na reconfiguração entre crime, mobilidade e mercados nas periferias de pequenas e médias cidades de diferentes regiões do Brasil adentro, são eles:
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Aumento da divisão do poder em mercados informais e ilegais de pequenos e médios municípios entre fraternidades criminais associadas a integrantes de forças de segurança e chefes políticos urbanos (coronelatos) e fraternidades criminais aliadas de coletivos criminais como o PCC e o CV (facções).
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Flexibilização das proteções trabalhistas e reconfiguração de vínculos de trabalho entre patrões e trabalhadores rurais e urbanos em trabalhos livres sem proteção e aqueles análogos à escravidão, algo que abriu novas valências que conectaram oportunidades de trabalho no agronegócio, mineração, construção civil, venda de combustíveis, roubo de cargas e tráfico de drogas em diferentes regiões do país.
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Interiorização de infraestruturas digitais, rodoviárias, habitação, eletricidade, armazenamento de água, além de democratização de serviços de comunicação móvel, algo que permitiu a coronelatos e facções agenciarem o movimento de pessoas e bens a favor de suas participações em circuitos econômicos marginais, com redução dos custos impostos pela lei.
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Interiorização de presídios e das forças de segurança, seja como aumento do número de bombeiros, policiais militares, federais além dos penais, guardas municipais ou de atores dos mais diferentes serviços de segurança privada, algo que fortaleceu o controle de mercados sujeitos a coronelatos ou facções em redes de pequenos e médios municípios.
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Transformação das redes de mobilidade dos pobres devido ao surgimento e fortalecimento de serviços de transportes “clandestinos”, como expressão da atuação de empreendedores marginais direcionados para as demandas e necessidades de populações pobres e periféricas de pequenos e médios municípios.
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Ampliação da financeirização das populações pobres e periféricas de pequenos e médios municípios, por meio do acesso a crédito de curto e médio prazo. Isso fez crescer suas ligações com o circuito econômico superior da economia, repercutindo no funcionamento dos mercados ilegais de crédito, já que grupos criminais se viram obrigados a também facilitar o acesso ao crédito para populações marginalizadas.
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1
Este texto é fruto dos seguintes projetos de pesquisas financiados: “Conexões marginais: periferias, mercados ilegais e a expansão das facções criminais no Brasil”, apoiado por edital conjunto FAPEAL/FAPESP (processo n. APQ2019041000071), e “Mobilidades marginais e mercados ilegais: a produção do movimento inter-regional, do conflito e das margens internas por facções e coronelatos”, apoiado pelo CNPQ (processo n. 421768/2023-1).
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Caminhão com assentos de madeira adaptados na caçamba, ligado à migração de pessoas do Nordeste para o Sul e o Sudeste do Brasil. O nome vem da associação com o transporte de animais. Cada bloco de assentos seria um “pau-de-arara”. Esse também é nome de um instrumento de tortura, fortemente associado à ditadura militar de 1964.
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A noção de moto abrange motonetas (scooters), ciclomotores (cinquentinhas) e motocicletas na base de dados do DENATRAN
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A partir da base de dados do SENATRAN (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2024)
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A partir de dados dos Censos Demográficos Nacionais (IBGE, 2024)
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A partir de dados do Trading Economics (2023)
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Alguns dos familiares dos adolescentes eram trabalhadores rurais, da construção civil ou empregadas domésticas que faziam jornadas através de ônibus “clandestinos” e regulares, além de vans, por diferentes cantos do país.
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8
Menção ao cagueta na música homônima do NSC, grupo de rap alagoano, conhecido em todo o Nordeste.
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9
Música “Que País é este?”, gravada em 1987.
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10
O Serasa Score é um sistema de pontuação que indica as chances do consumidor pagar as contas em dia nos próximos seis meses. Baseia-se em modelo estatístico de análise de risco de crédito a partir do acesso ao CPF, ao histórico de pagamento, dívidas etc.
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11
Doravante, apresentaremos também os valores mencionados em salários-mínimos (S.M.).
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12
Em analogia às criaturas fictícias guardadas em pokebolas do famoso desenho animado “Pokémon”, transmitido no Brasil entre 1990 e início dos anos 2000.
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Padrão de personalização de um carro ou moto com suspensão rebaixada, escapamento esportivo, plotagem com tom de cor exótico ou combinação de vários adesivos que tem por objetivo chamar a atenção das pessoas.
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14
Termo que indica policiais.
Referências
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Editor responsável:
Michel Misse
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Abr 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
30 Abr 2024 -
Aceito
17 Set 2024